Em setembro de 1988, o Teatro de Marionetas do Porto mostrava-se pela primeira vez, com a peça “Miséria”. Foi em França. Vinte anos volvidos, a companhia de João Paulo Seara Cardoso mantém a característica da itinerância, tanto em Portugal como no estrangeiro. O fundador e encenador falou ao JN.
Entrevista: Isabel Peixoto
11 de setembro de 2008
in “Jornal de Notícias”
É errado pensar-se que as marionetas são só para a infância?
Quando comecei, sentia mais esse estigma, essa conotação das marionetas com o público infantil. Mas a marioneta de forma alguma é só para crianças. E mais: o teatro de marionetas é uma linguagem cénica muito complexa e imagética -a marioneta é, por natureza, um duplo do homem, é uma obra de arte, uma escultura. O teatro de marionetas é, idealmente, uma plataforma de cruzamento de novas linguagens cénicas.
Foi sempre assim?
Não, não foi sempre assim. A questão é que a contemporaneidade do teatro de marionetas é um fenómeno muito recente. Uma das razões do estigma em relação às marionetas é que viveram durante séculos e séculos e séculos num domínio muito popular e é-lhes difícil, neste momento, sair desse limbo arcaico. Até aos anos 40 ou 50, o que as pessoas conheciam em Portugal era pouco mais do que o teatro de robertos.
Qual foi o ponto de viragem?
É por essa altura que se começam a fazer grandes experiências na Europa. Os europeus começam a tomar contacto com linguagens fabulosas do teatro do Oriente – do Bali, de Java, da China, da Índia, da Birmânia, tradições teatrais com marionetas fantásticas – e começam a perceber que o teatro de marionetas não é só a barraquinha das feiras dos robertos. Estas novas linguagens do teatro de marionetas não têm mais de 50 anos.
Passam mais tempo fora ou em Portugal?
Temos uma grande responsabilidade para com o público do Porto, primeiro, e com o público português, depois. Essa responsabilidade faz com que não possamos responder a todos os convites que temos para espetáculos no estrangeiro. Mas vamos todos os anos. Fizemos, até hoje, cerca de 250 espetáculos no estrangeiro. Poderíamos fazer muitos mais, mas não é possível. Agora, somos mais selectivos.
O balanço destes 20 anos é bom ou mau?
É uma resposta muito difícil. Na peça “Miséria”, o Miséria faz um acordo com o diabo, para lhe dar mais 20 anos de vida. E o diabo concede-lhe. E ele, a determinado ponto da peça, faz uma reflexão, quando os 20 anos passaram, e diz: “Parece uma eternidade e afinal tudo durou um só instante”.
Sente o mesmo?
Sinto o mesmo. E sinto o mesmo que ele diz: “O tempo é um fio invisível que vai ligando cada história a outra história.” E a vida da companhia também é assim, porque um fio foi ligando cada história a outra história, que são as histórias que nós contamos ao público.