staging and scenography
João Paulo Seara Cardoso
text
Stefan Harrel, Lydia Lunch, Jello Biafra, J. O. Halliwell
marionettes
Jorge Ramalho
marionette painting
Emilia Sousa
costumes
Manuela Pedro
sound design
Miguel Reis e Luís Aly
video
Yves Godrèche
lighting design
António Real
production
Mário Moutinho
cast
Micaela Soares; Rui Queiroz de Matos; Vítor Gomes
special participation
John Rambo
lighting and sound operation
Filipe Azevedo
video and subtitle operation
Hugo Valter Moutinho
production secretary
Sofia Carvalho
production assistant
Paula Anabela Silva
translation
Isabel Leite da Silva
scenography construction
Américo Castanheira, Tudo Faço, Atelier BBW
construction technicians
Abílio Silva e Vitor Silva
costume making
Branca Elíseo
pyrotechnics
Jorge Duarte
stage photography
Henrique Delgado
illustration
Júlio Vanzeler
thanks
Matéria Prima, Paulo Eduardo Carvalho, Mafalda de Barros
Dos porcos metafóricos
Marionetas do Porto estreou “Os três porquinhos” no Rivoli
Acabados de aterrar no Porto, depois de, em Praga, no “World Festival of Puppet Art”, terem apresentado “Nada ou o Silêncio de Beckett”, premiado nas categorias de melhor performance e melhor encenação (para João Paulo Seara Cardoso), os elementos do Teatro de Marionetas do Porto, apresentam ainda hoje e até 16 de julho, sempre às 24 horas, no café-concerto do Rivoli teatro municipal, no Porto, “Os Três Porquinhos”. Numa espécie de aldeia global, dentro de apartamento-compartimentados, os atores, com uma linha dramatúrgica fracionada que culmina num espaço aberto à interpretação de cada fruidor, utilizam meios como o vídeo, o teatro, a música e a manipulação de marionetas para realizarem um espetáculo transversal que funciona como um antídoto à manifesta postura conservadora da maioria dos nossos grupos de teatro.
Buscando nas várias componentes artísticas a possibilidade de produzirem algo de inusitado, eclético e abrangente, o Teatro de Marionetas do Porto consegue transmitir uma mensagem cuja moral da história passa pela ideia de que não interessa quem come quem, pois o que importa mesmo é não ser comido. Os discursos em inglês, com legendas, (proclamados por Marta Nunes, numa postura de quem não precisa ser simpática nem emotivamente convincente para agradar, por Ségio Rolo, um poço de energia, vibração e talento, e por Rui Oliveira, pleno de profissionalismo e carisma), possuem uma carga de sonoridade e sátira que provoca frequentes risos na plateia. As sociedades massificadas, especialmente a americana, são criticadas com uma espécie de sorriso amarelo que dá vida ao corpo e às próprias marionetas, elas mesmas confundidas com as próprias personagens.
Alucinação citadina
Entre a narrativa principal e os estilhaços do imaginário dos porquinhos, surge um ambiente de alucinação citadina onde os animais servem para retratar os medos, as angústias e as paranoias dos humanos. Se um lobo mau vocifera, enquanto degusta um rosado suíno, que guincha mas adora sem relutância, numa quase auto-destruição, que a arte é inútil, também os espectadores são envolvidos numa teia espartilhada de processos onde o humor acaba por provocar uma confusão entre predadores e vítimas.
Mas porque a vida é bela e o céu é azul, este espetáculo, baseado no texto secular de Halliwell e acrescentos de figuras como Jello Biafra, cuja delirante e inteligente encenação pretence a João Paulo Seara Cardoso, parte rumo a um futuro artístico que cruza várias formas de expressão e que, aponta o caminho para a frequente monotonia que contamina muitos dos nossos artistas.
José Manuel Simões
in “Jornal de Notícias”, 25 de junho de 2000
Os três porquinhos
Comer ou ser comido
Desde 1943, data da sua primeira edição em livro, que a intriga do conto “Os Três Porquinhos”, de J.O. Halliwell, passou a integrar o imaginário de crianças de todo o mundo, com aumento significativo de popularidade neste século a partir da recriação de Walt Disney. “Onde estão, como sobrevivem, como se adaptaram os nossos porcos metafóricos aos tempos pós-modernistas?”, eis a questão colocada por Stephan Harrel, autor desta versão pouco ortodoxa agora posta em cena pelo Teatro de Marionetas do Porto, numa imaginativa encenação (e cenografia) de João Paulo Seara Cardoso, que utiliza ainda textos de Lydia Lunch e Jello Biafra.
O espetáculo é composto por uma série de quadros, numa sequência estrutural própria do teatro musical. Depois de uma cómica abertura coregrafada com os três atores polivalentes – Marta Nunes, Rui Oliveira e Sérgio Rolo -, o nível de transgressão vai aumentando em flecha, com um texto de Lydia Lunch.
Com um curioso trabalho de sonoplastia de Miguel Reis e Luís Aly, o espetáculo faz alternar trabalho de ator, números musicais, dança, vídeo e marionetas, numa convergência notável de linguagens cénicas em fluida interação, com momentos delirantes como o da aparição do próprio John Rambo, em missão de purificação pelo tiroteio. Absolutamente hilariante é a cena “romântica” do porquinho sobrevivente com o lobo.
Mas, além das interpretações mais ou menos eróticas sugeridas por uma segunda leitura do conto, e que por aqui vão passando com frequência e graça, há outro nível de leitura metafórica que se põe em prática (e ao qual também não são estranhos os textos de Lydia Lunch e Jello Biafra), que é o da denúncia do imperalismo norte-americano e da sua hipócrita formação da noção de “vida em sociedade”. Porque como refere ainda Stephan Harrel, “no que respeita à moral da história, isso não é o mais importante. O importante não é quem come quem, o importante mesmo é não nos deixarmos ser comidos. Porque a vida é bela e o céu é azul”.
R.A.
in “Blitz”, 11 de julho de 2000