Wonderland é o sonho de Alice sonhado por nós. Vamos com ela, atravessamos a floresta luminosa cheia de medos e segredos, inventamos caminhos que antes lá não existiam e deixamos Alice perdida. Quando Alice pergunta ao Gato: “Como posso sair daqui?”, o Gato responde: “Isso depende muito do sítio para onde queres ir”. Aí sentimos que o sonho inventado por Carroll para a sua Alice amada toca ao de leve a nossa realidade. E quando Alice, no seu percurso iniciático, alcança o jardim maravilhoso de rosas brancas da rainha nós estalamos os dedos para que o seu sonho (e o nosso) acabe no momento certo. Final feliz?
Marco este dia com uma pedra branca (do diário de Lewis Carroll)
João Paulo Seara Cardoso
interpretação
Edgard Fernandes
Sara Henriques
Shirley Resende
Sérgio Rolo
marionetas
Júlio Vanzeler
música
Roberto Neulichedl
letras de canções
Maria de Noronha
tradução para inglês
John Havelda
figurinos
Pedro Ribeiro
coordenação de movimento
Isabel Barros
desenho de luz
António Real e Margarida Alves
produção
Sofia Carvalho
assistente de produção
Pedro Miguel Castro
assistente de encenação
Pedro Ribeiro
operação de luz e som
Margarida Alves
operação de legendagem
Pedro Castro
oficina de construção
Rui Pedro Rodrigues (coordenação)
Inês Coutinho (pintura)
Nuno Valdemar Guedes
confeção de figurinos
Cláudia Ribeiro (coordenação)
Celeste Marinho (mestra-costureira)
Esperança Sousa (costureira)
Catarina Barros (coordenação de adereços)
Patrícia Mota (assistente de adereços)
construção cenográfica
Américo Castanheira/Tudo-Faço
fotografia de cena
Susana Neves
ilustração
Júlio Vanzeler
imagens projetadas
Fotografias de Alice Liddell por Lewis Carroll
Pinturas de Claude Monet (alteradas)
estagiária
Ângela Ribeiro
Marionetas sem fios e com esqueleto à vista
Nova produção do Teatro de Marionetas do Porto já mexe. Na oficina da Rua de Belmonte, artistas partilham trabalho que começa quatro meses antes da estreia, marcada para maio. “Wonderland” é peça para adultos
A nova produção do Teatro de Marionetas do Porto já mexe. Com estreia marcada para 8 de maio, em Matosinhos, “Wonderland” vai ganhando forma em dois sentidos: a par do trabalho que envolve os atores, há uma série de seres em construção na oficina da Rua de Belmonte. Ali nascem as personagens de mais um espetáculo baseado na obra de Lewis Carroll, desta vez dirigido ao público adulto. O JN deu uma espreitadela.
É a partir do barro que Júlio Vanzeler modela as cabeças. A da Alice está mais adiantada, já passou à fase da fibra de vidro, mas a da lagarta ainda nem chegou ao molde. Das mãos do ilustrador, que há mais de dez anos colabora com a companhia (começou, precisamente, com a peça “Alice no país das maravilhas”, então em formato de teatro de sombras), saem os desenhos prévios e os modelos das caras das personagens. Geralmente, também desenha os figurinos, mas não neste caso.
Os trabalhos começam sensivelmente quatro meses antes da estreia. Depois da modelação fazem-se os moldes de que hão de sair as caras definitivas e, a seguir, constroem-se as marionetas, que, por fim, são pintadas. É nestas três fases que entram Rui Rodrigues e Inês Coutinho, também colaboradores habituais do Teatro de Marionetas do Porto.
Rui é o técnico de realização plástica a quem cabe construir os esqueletos que vão completar as personagens. “Não há uma única marioneta de fios neste teatro”, refere o artista, que desta vez optou pelo PVC (ver caixa) em detrimento da madeira. Ao lado, Júlio explica que “a construção das marionetas depende sempre das necessidades do encenador e dos atores”, pois são eles que vão fazer os bonecos mexer em palco. No caso da lagarta nem haverá esqueleto – os braços do intérprete farão as vezes do corpo anelado da personagem.
Júlio Vanzeler destaca ainda o facto de este ser “um trabalho em que todas as áreas estão muito próximas”, incluindo a da costura, no fim da linha de produção. O ilustrador dá um exemplo dessa cumplicidade: “Quando estou a moldar uma cabeça, vou ao ensaio ver como o papel está a ser interpretado, para que haja coerência entre a personagem que o ator está a representar e a que estou a desenvolver”.
Feições humanas
“Wonderland” terá um total de “20 coisas manipuláveis”, segundo o encenador, João Paulo Seara Cardoso. Entre esses objetos cénicos, destacam-se o chapeleiro, cujo rosto será o do ator que manipula a marioneta, e, ainda, os animais com feições humanas. O também diretor da companhia explica que isso se deve ao facto de a história de “Alice no pais das maravilhas” ser “um monumento ao nonsense, havendo que encontrar um equivalente a esse lado surreal e absurdo”.
Depois da primeira versão baseada nos livros de Carroll, agora surge uma peça para gente grande, que estará em cena no Teatro Constantino Nery. “Aqui, há uma visão muito onírica da Alice, em que o texto é um pretexto para a criação de imagens”, acrescenta Seara Cardoso, que prefere sempre “marionetas assumidamente artificiais, no sentido de se sentir o artifício técnico do objeto”.
Exemplo disso é a intenção de deixar visíveis partes dos esqueletos feitos por Rui Rodrigues, cujo trabalho é tão pormenorizado que chega a contemplar “travões” nas articulações, para que braços e pernas de PVC se mexam como braços e pernas de carne e osso. •
Esculturas de Theo Jansen inspiram recurso ao PVC
As gigantescas “criaturas” concebidas pelo escultor cinético holandês Theo Jansen foram a fonte de inspiração de Rui Rodrigues para esta nova produção. Pela primeira vez, o Teatro de Marionetas do Porto recorre ao PVC dos tubos das instalações elétricas para construir os esqueletos, que assim se tornam mais ligeiros e fáceis de manipular. “Tipicamente, fazemos tudo com madeira”, refere o artista, que explica a mudança de material com o facto de haver personagens que são quase do tamanho das pessoas. Por isso, era necessário que fossem mais leves.
Isabel Peixoto
in JN, 9 de março de 2009
Esta Alice só se vê com os olhos fechados
Wonderland, a nova criação do Teatro de Marionetas do Porto, é mais uma descida aos infernos da Alice no País das Maravilhas, mas agora para adultos. Continuamos a ter alucinações, com este texto de Lewis Carroll
Lewis Carroll foi com Alice ao país das maravilhas e ao outro lado do espelho e viu centenas de coisas, nesses sítios onde para ver coisas é preciso ter os olhos fechados – mas não viu nada (nenhuma Rainha de Copas, nenhum coelho com pressa, nenhum chapeleiro louco) que chegasse aos pés dessa miúda “moving under skies never seen by waking eyes” que continuava a assombrá-lo meses depois dessa viagem fundadora para o inconsciente coletivo ocidental. Em 1997, o Teatro de Marionetas do Porto (TMP) também foi com ela por aí fora, de olhos fechados. Passaram-se 12 anos e João Paulo Seara Cardoso, o diretor da companhia, também continua assombrado por essa presença: Wonderland é o TMP a ir ter com ela outra vez, nos subterrâneos que tinham ficado por escavar.
Ao contrário de Alice no País das Maravilhas (a peça de 1997), Wonderland, que o TMP estreia esta noite em Matosinhos, no Cine-Teatro Constantino Nery, é um espetáculo para adultos. “Quando fizemos a Alice para crianças, há 12 anos, percebi que essa era uma leitura muito superficial e que a Alice tem muitos subterrâneos para escavar, muitos labirintos onde nos podíamos voltar a perder. Também comecei a ler as interpretações que os psicanalistas fizeram do texto, as teses do Artaud, e achei, como diz a Virgina Woolf, que a Alice mais interessante é a que transforma adultos em crianças”, explica Seara Cardoso.
Vamos lá, então, descer aos infernos deste texto e lê-lo com olhos de adulto que ainda tem medo do escuro. Wonderland não é exatamente um espetáculo: é uma alucinação, um estado estranho, alterado, em que nos cruzamos com seres “never seen by waking eyes” que, mesmo quando nos parecem familiares, não são exatamente aquilo que nos lembrávamos de ter visto há muitos anos, num filme da Disney. “Resolvi usar a nossa memória iconográfica da Alice para começar e acabar de contar a história, mas a partir do momento em que mergulhamos nas profundezas a Alice passa a ser nossa e a ir pelos caminhos que nós queremos que ela siga”, continua o encenador.
A Alice deles é isto: uma miúda morena, de cabelos pretos a dar pelo queixo e uns olhos gigantes, abertos mas para dentro, a engolir um sítio que ela não sabe onde fica e onde há flamingos, serviços de chá, cartas acabadas de chegar à caixa do correio, partidas de croquete e relógios parados no recreio da escola. Parece uma coisa de crianças, mas às tantas estamos no Inferno (há uma serpente, uma garrafa que diz “bebe-me” e uma Rainha de Copas especialmente carnívora), e este Inferno é um ambiente um bocado lynchiano. “Pensei muito na leitura sexual que a psicanálise faz disto e não me interessou muito ir por aí – mas interessou-me usar a Rainha de Copas como encarnação do próprio Lewis Carroll. É um homem particular – um professor de Matemática respeitado em Oxford, que vai ser padre, mas que depois faz declarações estranhas e diz que as raparigas a partir dos 12 anos já não lhe interessam. Há ali um sentimento de culpa, de pecado, e isso está no espetáculo”, sublinha Seara Cardoso.
Precisamos é de ter os olhos fechados para o ver melhor: Wonderland é um país profundamente visual mas também profundamente sonoro em que nunca ninguém parece falar a nossa língua – e onde, no entanto, nunca chegamos realmente a sair de casa.
Inês Nadais
in Público, 8 de maio de 2009
CAIR NAS PROFUNDEZAS
Acordar num mundo de pernas para o ar
O universo fantástico de Lewis Carroll é novamente abordado pelo Teatro de Marionetas do Porto nesta produção, mas desta vez com um espetáculo para adultos. «Na produção para crianças havia uma leitura superficial do livro, Alice tem muitas camadas para escavar», diz o encenador João Paulo Seara Cardoso. Nomeadamente, a questão do pecado e dos sentimentos de culpa que assaltam o diácono anglicano Charles Dogson, conhecido como Lewis Carroll. As personagens de Alice no País das Maravilhas remetem o jogo da linguagem para segundo plano e mergulham numa dimensão onírica. Apenas Alice fala em português, reforçando a sua estranheza perante a Rainha de Copas, o Coelho Branco, o Gato Risonho e outras figuras bizarras, que mantêm o inglês original. «Por uma questão de musicalidade e também para despertar o retrocesso no tempo e remeter o público para um ambiente de sonho.» O lado profundo e absurdo da obra é explorado de forma mais visual, à maneira da companhia.
Joana Loureiro
in Sete, 14 de maio de 2009