encenação
João Paulo Seara Cardoso
cenografia e marionetas
Rosa Ramos
música
João Loio
desenho de luz
João Lorga
interpretação
Ana Queiroz, João Paulo Seara Cardoso, Mário Moutinho
execução musical
Carlos Magalhães
Judeu, Bobo e Diplomata
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A comédia do “Judeu” tem nos bonecos os seus melhores intérpretes. Esopo é um gracioso de comédia, confessadamente “bobo e chocarreiro”, mas também filósofo e diplomata – uma gama de papéis que atores de carne e osso têm dificuldades em encarnar. A personagem de Temístocles, no duelo com Esopo, perde a cabeça, proeza que nenhum ator pode interpretar em cena.
A técnica de manipulação é praticamente igual à utilizada pelos bonecos de Santo Aleixo, de Évora, mas o palco é maior e a cenografia muito mais complexa. São três os manipuladores: Mário Moutinho , Ana Queiroz e João Paulo Seara Cardoso (também encenador). Há dezasseis mudanças de cenário e os telões pintados são de feitura requintada. A mobília miniatural é primorosa, assim como os figurinos (obra das mãos de Rosa Ramos). Há uma notável panóplia de “efeitos especiais”, incluindo uma máquina de voar. O acompanhamento musical (de João Loio) é ao cravo, tangido por Carlos Magalhães que, nas cenas de batalhas, também toca corneta. Com os “humanoides” contracenam cavalos, burros e uma águia, a de Júpiter (que, esvoaçando, aponta Esopo como o salvador dos gregos).
A ironia é afiada e atinge o auge quando uma personagem pede às montanhas que caiam sobre ela e o cenário lhe cai mesmo em cima. O ritmo é endiabrado. O texto foi encurtado e muito adaptado, mas não perdeu nada do espiríto do “judeu” de António José, o nosso melhor cultor da linguagem gongórica (na sua vertente paródica) e do humor picaresco (vulgo arte do “desenrasca”).
Não deixem de ver esta “Vida de Esopo” na próxima oportunidade. É um espetáculo histórico.
Manuel João Gomes
in “Público”, 25 outubro 1992
Marionetas: A obra prima portuense
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A grande força deste espetáculo consiste no facto de conter um texto de grande qualidade teatral e mesmo literária, o que não é vulgar nas marionetas. O texto de António José da Silva foi ainda valorizado pelo trabalho de encenação e de interpretação. João Paulo conseguiu articular a tradição da marioneta com a sua modernização. O resultado é um espanto. Num pequeno e belo teatrinho os manipuladores surgem visíveis da cinta para cima: há um trabalho de atores-cantores tão visível e excelente como o da manipulação. Os bonecos, os figurinos e as numerosas cortinas de fundo são de uma admirável qualidade plástica, duma beleza excecional; existe uma articulação perfeita entre o trabalho dos manipuladores e o músico que toca num instrumento moderno disfarçado de música de cravo, além de outros instrumentos. Este trabalho magnífico torna-se num grande momento de teatro quando no discurso final de Esopo e quando este luta com o príncipe líbio, cena em que o manipulador sai do seu lugar e surge no pequeno palco, como se fosse o próprio boneco.
Espetáculo de uma criatividade constante, utilizando registos de paródia sempre excitantes sem que deixe de ser um grande rigor, esta “Vida de Esopo” sem dúvida uma obra-prima.
Carlos Porto
in “Jornal de Letras”, 4 de junho 1990