A partir de uma ideia original de Eric de Sarria
O homem caiu. O crânio abre-se. O tempo expande-se.
O que resta da memória esvai-se no chão. Acabou de perder a noção de futuro, apenas o passado e os seus automatismos persistem.
Era um ator – sem o lastro do teatro – um marionetista?
Aquilo que foi a sua vida, e de que não restam mais do que as ruínas da memória, vê-se fragmentado, dividido em 4 personagens. Nesses instantes em que tudo se constrói e desconstrói com a mesma facilidade, as fronteiras entre os mundos tornam-se cada vez mais porosas. O espaço do palco é o espaço interior povoado pelas 4 personagens surgidas do inconsciente mas capturadas no mundo da representação teatral.
Edgard Fernandes, Eric de Sarria, Isabel Barros, Rui Queiroz de Matos, Sara Henriques e Shirley Resende
música
@c (Pedro Tudela e Miguel Carvalhais)
marionetas e objetos cénicos
Rui Pedro Rodrigues e Filipe Garcia
vídeo
Albert Coma
figurinos
Eugenia Piemontese
desenho de luz
Rui Pedro Rodrigues
interpretação
Edgard Fernandes, Rui Queiroz de Matos, Sara Henriques e Shirley Resende
produção
Sofia Carvalho
operação técnica
Rui Pedro Rodrigues
construção de estrutura cenográfica
Américo Castanheira, Tudo-Faço
construção de marionetas e adereços
Rui Pedro Rodrigues e Filipe Garcia
confeção de figurinos
Eugenia Piemontese e Cláudia Ribeiro
fotografia de cena
Paulo Pimenta
coprodução
Teatro de Marionetas do Porto / TNSJ
linóleo preto
6m – altura min.
Min. 10m – boca de cena / 10m profundidade
Cena negra – Fundo negro + 8 pernas
luz
Dimmers digitais – 96 circuitos – Prot. Com. DMX512
Mesa de luz ETC Express 24/48 (material da companhia)
Varas de luz (ver planta em anexo)
estruturas
8 torres laterais com 3m de altura
8 bases de chão
projetores
6 Proj. Recorte 1Kw 12/42
16 Proj. SF Junior 25/50 (material da companhia)
18 P.C. 1 Kw c/ palas e porta-filtros
6 Par 64 – CP 62 c/ porta-filtro
4 Mini Par c/ palas e Porta filtros (material da companhia)
Filtros: material da companhia
som
Sistema de amplificação stereo com reforço central para voz
2 Monitores colocados no palco
1 Mesa de mistura digital (material da companhia)
4 Microfones lapela (material da companhia)
1 Leitor CD (material da companhia)
vídeo
1 Projetor de vídeo (material da companhia)
1 Leitor DVD (material da companhia)
bastidores
4 Camarins individuais ou 1 coletivo
montagem
10 horas
staff necessário
2 Carregadores para descarga e carga
2 Técnicos de luz
Técnico de som
Técnico de palco
plano de trabalho
1º turno – 4 horas
Montagem:
Cenografia; Cena negra; Luz; Som
2º turno – 4 horas
Afinação:
Cena negra; Luz; Som
3º turno – 4 horas
Ensaio geral:
Luz; Som
notas: Para iniciar a montagem o palco e a teia devem estar limpos e sem quaisquer equipamentos.
desmontagem: 2 horas
duração do espetáculo: 45 minutos
classificação estária: maiores de 12 anos
menções obrigatórias em todo o material promocional do espetáculo:
Companhia subsidiada por SEC/DGArtes (com inserção de logotipos)
Coprodução TMP, TNSJ
João Paulo Seara Cardoso morreu, mas o Teatro de Marionetas do Porto ainda respira: “Ovo” é o pensamento positivo de que o fim pode ser o início.
Em Outubro de 2010, quando João Paulo Seara Cardoso morreu, os atores do Teatro de Marionetas do Porto (TMP) apanharam os cacos e logo a seguir continuaram o caminho transgressor iniciado em 1988 pelo fundador da companhia. Um ano e meio depois, agora sob a direção da coreógrafa Isabel Barros, “companheira de estrada” da aventura da companhia, o TMP dá o primeiro sinal da sua vida pós-Seara Cardoso (pós é uma maneira de dizer: ele está inscrito no corpo dos atores, como um sinal de nascença). “Ovo”, a peça que hoje se estreia no Mosteiro de São Bento da Vitória e ali fica até ao próximo dia 26, não é só o “statement” habitual de que a vida continua: é verdadeiramente a vida a continuar, como sempre depois da morte. “Para mim, esta não é a segunda vida do TMP: é a mesma vida, depois de um sobressalto. Por um lado, as obras do João Paulo continuam em circulação, portanto há todo um trabalho que vai ser preservado, inclusive no museu que finalmente vamos poder abrir. E depois há o trabalho de criação da companhia, que prossegue”, diz Isabel Barros. Ainda assim, esta é claramente uma peça para assinalar a vermelho na história do TMP: “o primeiro espetáculo em que não há a mão do João Paulo”, a não ser no sentido, tão metafórico quanto literal, de que é ele o deus “ex-machina” (outra palavra para isso: o marionetista) por trás deste “Ovo”.
Justamente porque este é o espetáculo “de viragem” da companhia, Isabel Barros quis que outros universos pudessem coabitar com a poética reconhecível do TMP, e até “perturbá-la”. Pensou imediatamente em Philippe Genty, fundador da homónima companhia de referência francesa, mas ele estava doente. E então acabou a trabalhar com Eric de Sarria, o atual diretor do grupo. O público, admite, talvez manifeste “algum desconforto”, mas é esse o espírito: “Na vida também há momentos de turbulência, há picos, há mudanças”. Estas marionetas não são, definitivamente, as marionetas de Seara Cardoso. E, no entanto, a maneira como os intérpretes fazem corpo com elas, a maneira como fazem barulho com umas palavras e silêncio com outras permite o reconhecimento. “Curiosamente, os atores não mostraram nenhuma vontade de ir lá atrás buscar materiais, mas é inevitável que o passado venha. O trabalho que ao longo dos anos o João Paulo fez com eles foi tão profundo (era um mestre, no verdadeiro sentido da palavra) que esse património, essa escola, continua muito presente”, continua a diretora artística da companhia.
Depois dos primeiros encontros com Eric de Sarria, o encenador francês afastou-se e deixou que o TMP trabalhasse “com total liberdade” no guião de ideias que deixou à companhia. “Foi um verdadeiro trabalho de cocriação, o que também é novo para nós. Mas a verdade é que, quando nos encontrámos, percebemos que, por causa da doença do Philippe Genty, o Eric está no mesmo lugar dos intérpretes do Teatro de Marionetas do Porto: no lugar de quem já recebeu imenso e se pergunta “e agora?”, nota Isabel Barros. Juntos, Sarria e a companhia portuense viram-se então confrontados com as questões da vida e da morte, do começo, do recomeço e do fim, do passado, do presente e do futuro, enfim, do ovo e da galinha. Os atores eram “para comer ovos, para estrelar ovos, para cozer ovos, mas depois o ovo acabou por ficar uma coisa mais simbólica”. No Mosteiro de São Bento da Vitória, o “Ovo” é a minúscula bola branca com que uma marioneta joga futebol e a enorme barriga de outra marioneta grávida; é o ovni de uma salada de hortaliças e uma poderosa metáfora do tempo neste espetáculo em que a companhia tenta organizar o caos (a frase é repetida como um mantra numa das sequências-chave da peça). Afinal, como diz a dada altura uma das personagens, “ele é invisível e isso é bom”.
Inês Nadais, in Público 10/02/2012
Teatro de Marionetas de regresso com “Ovo”
Estreia hoje, às 21h30, no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, a peça “Ovo”. Concebida a partir de uma ideia original de Eric de Sarria e coproduzida pelo Teatro de Marionetas do Porto e pelo Teatro Nacional de São João, estará em cena até ao próximo dia 26.
É o primeiro espetáculo do Teatro de Marionetas do Porto sem a assinatura de João Paulo Seara Cardoso, fundador da companhia, falecido em 2010.
Em palco, estão quatro atores, uma marioneta gigante e quatro telas azuis. Tudo se passa ali. A história começa com a queda de um homem – um ator, um marionetista. Entretanto, o seu crânio abre-se e a memória desfaz-se, esvai-se no chão. A partir daí, perde a noção do futuro e o que resta, o que fica é apenas o passado.
Da sua vida, nada mais resta do que as ruínas da memória, que se estilhaçam e que é reconstituída pelas quatro personagens. Passam-se, então, por momentos em que tudo acontece muito depressa, onde tudo se constrói e desconstrói, onde se criam e derrubam fronteiras entre mundos.
Criado a partir de um texto de Eric de Sarria – um dos colaboradores mais próximos do marionetista francês Philippe Genty -, “Ovo” tem dentro de si uma ideia de recomeço.
Isabel Barros, que coproduziu a peça, considera que esta “resulta do encontro de opostos, de diferenças que são verdadeiramente algo de forte e frágil que contêm a essência”. Admite, por outro lado, que, neste trabalho, “as marionetas não falam, estão no seu estado mais puro, são uma espécie de anjos mudos, criaturas que nos fazem viajar entre o real e o imaginário”. “Ovo” é, por assim dizer, uma espécie de viagem a mundos distintos que, simultaneamente, se ligam ou desligam e que percorrem caminhos entre a ficção e o real. A sobriedade do texto e a simplicidade do cenário estão em concordância com o trabalho dos quatro atores.
Sublinhe-se que “Ovo” tem a cocriação de Edgard Fernandes, Eric de Sarria, Isabel Barros, Rui Queiroz de Matos, Sara Henriques e Shirley Resende.
Agostinho Santos, in Jornal de Notícias 10/02/2012
O início, outra vez, mais uma vez
Pelo Teatro de Marionetas do Porto a partir de uma ideia de Eric de Sarria. Mosteiro de São Bento da Vitória, Porto, 18 de Fevereiro, 21h30. Sala cheia. Até dia 26.
Há uma imensa fragilidade em Ovo que o torna comovente. É natural que assim o seja, e ainda bem que assim o é. A primeira peça que o Teatro de Marionetas do Porto faz, após a morte em 2010 do seu fundador e diretor artístico, João Paulo Seara Cardoso, é o início de uma nova fase, atenta ao legado deixado pelo mais importante nome do teatro de marionetas em Portugal. Reconhecemos na peça o permanente diálogo entre a marioneta e o seu manipulador, feita de respirações e movimentos, bem como um trabalho de profunda relação entre as imagens e as palavras, que abrem pistas de interpretação variadas e generosas.
Agora, numa colaboração onde se prolonga a presença da coreógrafa Isabel Barros, atual diretora artística, é acentuada essa dimensão física e coreográfica, ao mesmo tempo que a marioneta ganha uma dimensão onírica, tornando-se, se não rarefeita, pelo menos desmultiplicada em diferentes formas, elementos e objetos.
Não sendo ainda possível, ou sequer desejável, antever o futuro criativo do Teatro de Marionetas do Porto, não deixamos de ver em Ovo um enorme desejo de levar mais longe uma ideia de um teatro feito do encontro, e não da justaposição, da marioneta nas suas mais diversas apresentações.
E é aqui, conscientes do perigo desta fórmula, que os criativos do TMP dão largas a uma voragem criativa que encontra no jogo de associações livres que é marca característica do trabalho do francês Philippe Genty – aqui trazido pela mão do seu mais cúmplice colaborador Eric de Sarria – a oportunidade para a reformulação.
As caixas por onde falam, as plataformas onde projetam imagens, as mãos que se transformam em marionetas, a própria disposição dos corpos, são portas de entrada para um universo ainda por definir, em evidente questionamento que se deseja, e ainda bem, público.
Nem sempre é evidente o caminho seguido em cada uma das sequências que, no seu conjunto, refletem sobre as semelhanças entre a ideia de início e de fim.
E nem sempre se consegue entender o que estão a dizer, fruto da acústica do Mosteiro de São Bento da Vitória, mas também de problemas de elocução dos atores. E se é verdade que o teatro imagético de Genty, com a sua dimensão poética, não naturalista tem alguma dificuldade em conseguir entrar em diálogo concreto com a dramaturgia detalhista que é marca do TMP, não é menos verdade que Ovo guarda dos dois mundos um desejo de experiência visual que é, ao mesmo tempo, física. A nostalgia com que os corpos dos atores procuram os das marionetas, transformando essa viagem em algo emocional, salienta-se em momentos de profunda pesquisa sobre o que pode ser uma experiência coletiva a partir de diferenças singulares.
E é aí que Ovo se torna comovente, ao expor um processo de (re)descoberta, de (re)aprendizagem, de (re)construção e ao tornar essencial o que Eric de Sarria chama de garante da contemporaneidade: “O resgate da linguagem do Outro – do “Pai”? – e a afirmação da sua própria linguagem, uma vez vencidos os seus demónios anteriores”.
Tiago Bartolomeu Costa, in Público 21/02/2012