Os dias estranhos descobriram-nos,
Os dias estranhos acharam-nos o rasto,
Vão destruir as nossas raras alegrias,
Temos de continuar a tocar ou de procurar uma nova cidade.
Jim Morrison
Imóvel, encaro o meu reflexo no espelho. Como sempre, permaneço assim até estar convencido que não existe vidro, nada a separar-me do que vejo no outro lado. Queimo o tempo tentando encontrar o caminho para esse lugar onde o espírito vai para morrer feliz. Mas como sempre a minha mão bate no vidro.
Eu gostaria que alguém me desligasse e me consertasse.
João Paulo Seara Cardoso
marionetas, figurinos e ilustração
Júlio Vanzeler
texto
Miguel de Sousa
música
Carlos Guedes
coordenação de movimento
Isabel Barros
vídeo
António Real,Duarte da Costa, Erika Takeda
desenho de luz
Jorge Costa
produção
Sofia Carvalho
interpretação
Edgard Fernandes, Sara Henriques, Sérgio Rolo
técnico de luz e som
Rui Pedro Rodrigues
pintura de marionetas
Emília Sousa
assistente de produção
Paula Dias
técnicos de construção
Vítor Silva, Alexandra Pires, Rui Pedro Rodrigues
construção de estruturas
Américo Castanheira, Tudo Faço
confeção de figurinos
Branca Elíseo
adereços de guarda-roupa
Isabel Pereira
fotografia de cena
Paulo Barata
10m – boca de cena / 10m – profundidade / 5m – altura min.
Chão – negro, madeira ou linóleo
luz
Dimmers digitais – 52 circuitos – Prot. Com. DMX512
Mesa de luz ETC Express 24/48 ( Mat. da companhia )
Varas de luz ( ver planta em anexo )
Filtros ( ver legenda em anexo)
projetores
23 PC 1KW c/ palas e porta filtros
17 Proj. Recorte 1Kw 12/42 c/ porta filtro
1 Proj. Recorte Selecon Pacific
1 Follow spot
9 Proj. Par 64 CP60 c/ porta filtros
1 Gobo ( Mat. da companhia )
som
3 monitores colocados no palco
1 Leitor de CD c/ auto cue
1 Mesa de mistura c/ min. 12 vias
1 Processador de efeitos (rev.)
1 Microfone lapela
1 CPU ( Mat. da companhia )
bastidores
3 Camarins individuais ou 1 coletivo
montagem
12 horas
staff necessário
Técnico de luz
Técnico de som
Técnico de palco
notas: Para iniciar a montagem o palco deve estar limpo assim como as varas de luz.
No espetáculo é utilizado fumo em pó e bolas de sabão.
duração do espetáculo: 50 minutos
classificação etária: maiores de 12 anos
menções obrigatórias em todo o material promocional do espetáculo:
Estrutura financiada por SEC/DGArtes (com inserção de logótipos)
O (estranho) mundo de Alex
Pedro Fernandes
in “Diário de Aveiro”, 26 fevereiro 2004
“(…) como a imagem de um espelho côncavo retorna subitamente até nós depois de se ter afastado até ao infinito: assim retorna a graça quando a consciência passou ela também por um infinito; de maneira que ela aparece sob a sua forma mais pura nesta anatomia humana que não tem qualquer consciência, ou que tem uma consciência infinita, isto é, num manequim, ou num deus>”.
Sobre o Teatro de Marionetas, Heinrich Von Kleist
O Teatro de Marionetas do Porto estreou no passado dia 20 de fevereiro e mantém em cena até 21 de março, no Balleteatro Auditório no Porto, a sua mais recente criação “O Mundo de Alex>” a que o CLIP assistiu.
Mais do que um teatro de marionetas, “O Mundo de Alex” é um teatro de seres, de corpos que se confundem, de marionetas que fazem de humanos e de humanos que fazem de marionetas. Esta entropia tão ou mais coerente com a estória contada na medida em que o próprio Alex vive à nossa frente os seus dilemas originários da dicotomia do seu ser e da sua vida: “Imóvel, encaro o meu reflexo no espelho. Como sempre, permaneço assim até estar convencido de que não existe vidro, nada a separar-me do que vejo no outro lado. Queimo o tempo tentando encontrar o caminho para esse lugar onde o espírito vai morrer feliz. Mas como a minha mão bate no vidro. Eu gostaria que alguém me desligasse e me consertasse”.
Será que Alex ainda não se deu conta de que é uma marioneta? Ou será que precisamente por perceber isso vive atormentado com o seu espírito emprestado? Porque como Von Kleist elucida, é precisamente na ausência de consciência que estes manequins encontram a sua maior graça. Há em “O Mundo de Alex”um jogo de troca de consciências…elas andam ali pelo ar como a marioneta sobrevoa o público no início da apresentação, e, basicamente, são de quem as agarrar: umas vezes em Alex, outras em atores que fazem também eles de marionetas, também eles perdidos, alienados num estranho mundo que insistem em tentar manipular. É pois, no derradeiro momento que Alex pacifica a sua mente, ou seja, a mente coletiva de todos os intérpretes da performance, que a consciência deste encontra o seu lugar no mundo, porque, sem expressar uma necessidade de controlo ou reflexão, o devir e o estado de (não) consciência se fundem num só.
Sonhos, pesadelos, deambulações numa encenação de João Paulo Seara Cardoso carregada de uma imensa poesia visual, musical e espiritual e que o CLIP recomenda como uma interessante proposta cultural fora da região de Aveiro.
A linha experimentalista do Teatro de Marionetas do Porto
Ana Cristina Pereira
in “Público”, 20 fevereiro 2004
Em “O Mundo de Alex”, que hoje é estreado no Balleteatro Auditório, a companhia volta a fazer uma reflexão sobre a vivência urbana.
“Os dias estranhos descobriram-nos/ Os dias estranhos acharam-nos o rosto/ Vão destruir as nossas raras alegrias/ Temos de continuar a tocar ou de/ Procurar uma nova cidade”. O poema, do irreverente cantor Jim Morrison, dá o mote para apreender “O Mundo de Alex”, que o Teatro de Marionetas do Porto (TMP) estreia esta noite no Balleteatro Auditório. Mais uma encenação de João Paulo Seara Cardoso, num regresso aos fios de que se tece a realidade citadina dos nossos dias.
O ambiente urbano é uma espécie de “obsessão” de João Paulo Seara Cardoso, fundador e diretor artístico do TMP, uma estrutura sólida que tem mantido uma programação consistente. Nada que muitos lhe adivinhassem há uns anos, quando marcou uma geração inteira com os irrequietos fantoches das séries televisivas “A Árvore dos Patafúrdios” e “Os Amigos de Gaspar”. Mas o que nos oferece este Alex, contemporâneo q.b., são precisamente as malhas da atmosfera “mecanizada”, onde reinam os ruídos, o isolamento e a incomunicação da cidade.
“O Mundo de Alex” está longe de ser um tiro no escuro. Quem conhece o percurso da companhia surgida em 1988 já se familiarizou com os diálogos polifónicos e com os atores multifacetados, que ora manuseiam as marionetas à vista desarmada, ora tomam conta do palco para imprimir movimentos cadenciados aos seus próprios corpos. Como numa dança, quase.
O espetáculo que hoje sobe ao palco do Balleteatro é um prolongamento de “Exit”, estreado em 1998. E também de “Paisagem Azul com Automóveis”, que a companhia levou à cena durante o evento Porto 2001/ Capital Europeia da Cultura. Num e noutro já se explorava em profundidade a possibilidade de uma relação harmoniosa entre o movimento das marionetas, o vídeo e o corpo dos manipuladores/intérpretes. Num como noutro espetáculo era já bem visível a ousadia de quem quer conferir ao teatro de marionetas uma certa contemporaneidade. “Se calhar”, diz o encenador ao PÚBLICO, este espetáculo “é um bocadinho mais pessimista” do que os seus precursores. Resultado do próprio “desenvolvimento dos tempos”. Por causa da política cultural, por causa desse Porto deprimido de que agora tanto se fala? A correspondência “é demasiado direta”. Depois do 11 de setembro, o mundo “ficou todo mais escuro”. E o poema do líder dos Doors, que encabeça o programa do espetáculo, surge precisamente como “a metáfora do desencanto”. Com uma agravante: ainda não se pode mudar de planeta.
Apesar de tudo, a nota que fica em “O Mundo de Alex” é de esperança. Seara Cardoso quer – não quererá toda a gente? – que o globo volte a encontrar-se consigo próprio. E como não pode resolver os problemas da Terra, resolve os do espetáculo. Após longo conflito interno, a personagem respira fundo, recupera o fôlego e ganha paz de espírito. “Por mais horrível que seja o universo em que penetramos”, tudo acaba por se compor. “De forma quase ingénua, fiz uma chuva de luz no final”, sublinha o encenador.
Com interpretação de Edgard Fernandes, Sara Henriques e Sérgio Rolo. “O Mundo de Alex” vai ficar em cena até 21 de março. As marionetas, cada vez mais humanizadas, são de Júlio Vanzeler.
“O Mundo de Alex”, novo espetáculo do Teatro de Marionetas do Porto, estreia hoje
Rodrigo Afreixo
in “O Comércio do Porto”, 20 fevereiro 2004
Mais uma viajem ao fim da noite à procura de uma nova cidade.
O novo espetáculo do Teatro de Marionetas do Porto constrói-se a partir de uma figura arquetípica – Alex, jovem, urbano, contemporâneo – que tem a certeza do que não quer e entra num processo de fuga, em busca de uma felicidade que cada vez parece mais remota no horizonte das possibilidades. “O Mundo de Alex” é uma imensa alegoria existencialista (tendencialmente abstrata e definitivamente não-naturalista), elaborada a partir de um certo “mal de vivre” citadino que nos é mais ou menos familiar neste preciso momento.
“Os dias estranhos descobriram-nos, / Os dia estranhos acharam-nos o rasto, / Vão destruir as nossas raras alegrias, / Temos de continuar a tocar ou de procurar uma nova cidade”. Esta citação de uma letra de Jim Morrison parece ter sido o mote que impulsionou a criação deste espetáculo transdisciplinar, de estética “high-tech”e tendencialmente “sci-fi”, no qual João Paulo Seara Cardoso (encenação e cenografia) retoma a exploração da marioneta “no seu domínio essencial, o movimento, fazendo intervir uma relação experimental com o vídeo e o corpo dos intérpretes/marionetistas”, em mais uma reflexão pessoal sobre a vivência urbana. Tal como já acontecera em “Exit”(1998) e em “paisagem Azul com Automóveis” (2001), dois momentos maiores e mais transcendentes do notável percurso criativo do encenador/companhia(que, no caso, são indissociáveis).
“Imóvel, encaro o meu reflexo no espelho. Como sempre, permaneço assim até estar convencido que não existe vidro, nada a separar-me do que vejo no outro lado. Queimo o tempo tentando encontrar o caminho para esse lugar onde o espírito vai para morrer feliz. Mas como sempre a minha mão bate no vidro. Eu gostaria que alguém me desligasse e me consertasse” A sinopse de “O Mundo de Alex” é este breve mergulho poético no raciocínio do protagonista, que não está propriamente farto de viver, mas que gostava de começar tudo de novo, de apagar a sua existência e de a reinventar, como se de um desenho se tratasse.
“O Mundo de Alex” resulta ainda da soma de uma série de excelentes contributos: Júlio Vanzeler (marionetas e figurinos), Miguel de Sousa (texto), Carlos Guedes (música, excelente), Isabel Barros (coordenação de movimento), António Real, Duarte da Costa e Erika Takeda (vídeo), Jorge Costa (desenho de luz), Edgard Fernandes, Sara Henriques e Sérgio Rolo (Interpretação).
O espetáculo muito original e altamente recomendável, estreia hoje, às 21h30, no Balleteatro Auditório, onde pode ser visto até 21 de março (de terça-feira a sábado, às 21h30, domingos e feriados às 18h30).
O Admirável Mundo de Alex
A.C.P.
in “Público”, 2 março 2004
A parafernália, o isolamento, a incomunicação, a necessidade de evasão. “O Mundo de Alex”, que o Teatro de Marionetas do Porto (TMP) tem em cena no Balleteatro auditório, é um espetáculo sobre a vivência citadina.
O espetáculo apresenta-se como prolongamento de “Exit” (1998) e de “Paisagem Azul com Automóveis” (2001), duas anteriores produções da companhia – não só porque significa um regresso de João Paulo Seara Cardoso, fundador e diretor artístico do TMP, à sua declarada “obsessão” pelo ambiente urbano, mas também porque representa um ousado retomar de uma linha estética experimentalista que marcava aqueles dois espetáculos.
Edgard Fernandes, Sara Henriques e Sérgio Rolo interpretam este espetáculo em versão dupla – os atores ora encarnam o papel de marionetistas, ora assumem o seu próprio corpo, em movimentos quase de bailarinos. A “confusão” entre bonecos e seres humanos não se cinge à boca de cena, alastra-se a projeções de vídeo. O resultado, goste-se ou não, é uma forte dose de contemporaneidade numa arte secular como o teatro de marionetas.
Num texto publicado há quase dois séculos (“Sobre o teatro das marionetas”, 1810) – o escritor alemão Heinrich Von Kleist teorizou a superioridade do corpo das marionetas em relação ao corpo dos humanos
José Mário Silva
in “Diário de Notícias”, 9 abril 2004
Essa superioridade nascia do facto dos bonecos estarem desprovidos de afetação que aflige os homens, vítimas de uma consciência de si mesmos e do mundo que os afasta de um estado natural, de pureza inocente. “Para além disso, as marionetas têm a vantagem de serem antigravitacionais. Elas nada sabem da inércia da matéria, a propriedade mais contrária à dança: porque a força que as ergue nos ares è superior à força que as prende ao solo”.
Esta leveza antigravitacional de que falava Kleist, João Paulo Seara Cardoso, diretor artístico do Teatro de Marionetas do Porto (TMP), conhece-a bem. No último espetáculo da companhia, “O Mundo de Alex”, que esteve em cena até 21 de março, não faltavam situações em que as marionetas voavam, simbolizando o lado aéreo, incorpóreo e espiritual das personagens, em oposição ao lado terreno e preso ao real, representado pelo atores que manipularam os bonecos, à vista do público.
Procurando ultrapassar o conceito tradicional do espetáculo de marionetas, em que os manipuladores (vestidos de negro contra um fundo negro) se tornaram invisíveis para os espectadores, há muito que as produções do TMP assumem a presença humana no palco e exploram a dialética que se estabelece entre a marioneta e o ator que lhe dá vida e movimento. “De há uns anos para cá, as nossas criações assentam sempre numa dimensão poética e não-naturalista”, explica Seara Cardoso. “Gostamos de trabalhar na fronteira, na confluência de diferentes universos artísticos, integrando todo o tipo de desafios estéticos”.
O mais recente trabalho não foi uma exceção a esta regra. Terceiro espetáculo de um ciclo dedicado à ideia de “teatro em território urbano” (continuação de “Exit”, apresentado durante a EXPO`98, e de paisagem Azul com Automóveis”, uma encomenda da Porto Capital da Cultura-2001), “O Mundo de Alex” cruza várias influências e materiais – música, textos, imagens de vídeo -, numa sucessão de estímulos que se encadeiam de forma muito livre e que cabe ao público descodificar.
Durante uma hora, tudo gira em volta de Alex, um jovem dos nossos dias que vive com inquietude os dilemas da massificação e do isolamento, tão característicos da nossa sociedade ultra-tecnológica. O espetáculo acompanha os momentos de felicidade e de desassossego da personagem, as suas obsessões, exemplificando a síndrome de pixel, que Seara Cardoso define assim: “é a noção de que somos muito pequenos e de que estamos desligados do resto do mundo, de que fazemos parte de uma imagem mas ninguém nos vê”.
Como sempre neste tipo de trabalhos, assumidamente experimentais, o grupo partiu do zero. Os primeiros dois meses foram dedicados à pesquisa pura, à busca de “coisas novas em termos de linguagem cénica”. Só depois o espetáculo começou a ganhar forma. “Fiz um inventário das ideias soltas e fui organizando, a pouco e pouco, o caos. Daí nasceu um encadeamento lógico, embora não linear, e formou-se um esqueleto de história, um esboço de dramaturgia”. Nos dois meses finais, já com algumas cenas provisórias e um trabalho de “intimidade” crescente entre os atores e as marionetas (entretanto desenhadas e construídas), o work in progress ganhou a sua forma definitiva, à medida que se fixavam os textos poéticos de Miguel de Sousa e a música de Carlos Guedes – importantíssima, porque é o suporte de cada um dos movimentos executados em palco.
Por fim, “O Mundo de Alex” subiu à cena, súmula do esforço coletivo de 14 pessoas. E Paulo Barata, que acompanhara desde o princípio este projeto do TMP, continuou a fotografar. O resultado é o que se pode ver nas próximas páginas. Uma viagem ao interior desta forma singular de teatro, entre o antes e o depois, os bastidores ainda “verdes” e luz forte do espetáculo final.