Jardineiro Imaginário, é uma nova criação das Marionetas do Porto, dedicada aos adultos
numa tentativa de os transportar a territórios diversos onde possam ecoar inquietações,
pensamentos, matérias soltas, pedaços de vida, numa espécie de coroa circular.
Dois atores, num encontro entre marionetas, objetos, palavras, movimentos, pequenas
partículas inomináveis, luz, música e tantos outros elementos, provocando composições e
viagens imagéticas.
Cria-se um lugar não linear, descolado do mundo. Desconcertante, delirante, sem leis
conhecidas. Uma espécie de pintura viva.
Partindo do universo literário, nomeadamente de alguns poemas de Sonhador Definitivo E
Perpétua Insónia, antologia de poemas surrealistas escritos em língua francesa, traduzidos por
Regina Guimarães e de muita experimentação ligada aos materiais, descola-se para o sonho,
em voo, percorrendo subterraneamente um universo que escapa à realidade.
Em Jardineiro Imaginário, há um regresso a esse continente da imaginação, na criação de
imagens que brotam de forma automática transportando cada corpo para um outro lugar. O
teatro interior e íntimo, persistente e sem fim, habitado por um jardineiro imaginário, criado
com a cumplicidade artística de uma equipa multidisciplinar.
Isabel Barros
“Cara imaginação, aquilo de que mais gosto de ti é que não perdoas”
André Breton
Conceito e encenação
Isabel Barros
Marionetas
Ricardo Leite
Música
Carlos Guedes
Texto original e tradução
Regina Guimarães
Poemas
Jean Arp, Robert Desnos, Camille Coemans, Paul Nougé
Desenho de luz
Filipe Azevedo
Cenografia
Coletivo
Figurinos
Cláudia Ribeiro
Interpretação
Micaela Soares e Vítor Gomes
Produção
Sofia Carvalho
Design gráfico
Rita Sá Couto
Operação de luz e som
Filipe Azevedo
Construção de marionetas
João Pedro Trindade, Catarina Falcão
Confeção de figurinos
Alexandra Barbosa
Fotografia de cena
Paulo Pimenta
M/12
O jardineiro imaginário
FIMFA Lx22
Jardinar e desejar
Encontrava-me a uns 1200 ou 1300 metros de altitude, na altura em que comecei a minha longa jornada naquela terra extensamente despovoada, nua e monótona, onde só a alfazema silvestre florescia.
Jean Giono, O Homem que plantava árvores
A palavra “imaginação” derivada do latim imaginatio substitui a palavra grega phantasia. É sobre ela que Aristóteles discorre no seu Tratado sobre a Alma (De Anima 433a), onde a imaginação é o princípio primordial da alma, lugar onde o desejável se coloca em movimento. O espetáculo Jardineiro imaginário é um convite a esse lugar do desejo e da fantasia, como força criadora e construção do inconsciente. É também um convite para demorar, o que é essencial para jardinar e para desejar. Demorar para reparar nas paisagens em mutação, geradas pelas matérias poéticas e pelo gesto marionético. Demorar significa também gerar beleza a partir das ruínas, reparar nas pedras que confiam no tempo. O jardineiro Severino lembra-nos que “A reciprocidade é uma coisa bicuda. No amor como nas outras disciplinas”. Fala-nos também de um pedreiro que não terminou o teto de uma casa, para poder colher estrelas e nuvens. Se o teatro de marionetas tem como missão ancestral escutar os fantasmas e reanimar o inerte, ele oscila nesse arco de poesia e inquietação, onde a matéria floresce sempre num lugar de ruínas, encantador e assombrado, errante e construtor. Nesse jardim de pedras em erosão, as paisagens em metamorfose vão transmutando as palavras e as imagens: penhasco e deserto, ravina e jardim, ruínas e arena, pedra e pássaro. Jardinar e imaginar são aqui lugares para escutar vozes interiores há demasiado tempo abafadas, semear desejos que não cabem no quotidiano veloz, arriscar o declive e a vertigem para desfrutar do voo.
Catarina Firmo
Passos em Volta/Performance Reviews
Maio 2022