I CONGRESSO DE BRINQUEDO PORTUGUÊS
Património Material e Imaterial
Título da comunicação
Marionetas, objetos e formas animadas
Marionetas, objetos e formas animadas, é o título da minha comunicação, refletindo sobretudo o trabalho de criação no Teatro de Marionetas do Porto.
A partir da experiencia artística de fazer teatro com marionetas, e neste caso dirigido aos mais pequenos, estabeleço ligações entre objetos semelhantes usados em contextos de obras e os mesmos, usados em contexto de brincar.
O Teatro de Marionetas do Porto, foi fundado em 1988, por João Paulo Seara Cardoso (1956-2010). Um verdadeiro mestre do teatro com marionetas. João Paulo iniciou o seu contacto com o mundo dos bonecos, pelo lado mais tradicional, estudando e tendo recuperado o teatro D.Roberto, diretamente com um dos últimos grandes bonecreiros, o Mestre António Dias.
O Teatro D.Roberto feito pelo João Paulo, foi apresentado em inúmeros países e pela última vez em 2010, ano da morte do João Paulo, fazendo hoje parte da exposição permanente do Museu das Marionetas do Porto.
A tradição portuguesa do teatro de marionetas tem um cariz popular, transmitido muitas vezes de forma oral, de pais para filhos. Nos finais dos anos 50, os fantocheiros populares alegravam festas, e romarias, conquistando com facilidade grandes e pequenos. Os pequenos bonecos de madeira e trapos, agitavam-se e bailavam dentro da barraca ao som estridente feito pelo bonecreiro, que com o uso da palheta atingia sons de uma estranheza que ninguém ficava indiferente.
As peças de curta duração, terminavam invariavelmente com cenas de pancadaria. O público aplaudia e delirava.
A par desse trabalho mais tradicional, João Paulo Seara Cardoso com a companhia que fundou, criou espetáculos nos quais a marioneta adquiriu um lugar primordial e foi explorada de uma forma extremamente vanguardista.
Em 1994, fiz a minha primeira criação com marionetas. Nessa altura, fui convidada pelo João Paulo, para fazermos uma cocriação na qual as disciplinas teatro, dança e do teatro com marionetas pudessem conviver e de alguma forma nos levar a novos territórios criativos. Essa criação foi muito especial. Primeiro espetáculo da companhia sem texto. Primeiro grande encontro com a dança e a sua dimensão abstrata.
Para mim, primeiro grande contacto com as marionetas e início de uma paixão que ainda hoje se mantem viva.
Faço esta referência, uma vez que, a minha aproximação ao mundo das marionetas se dá claramente em idade adulta e de uma forma muito intensa. Em muitos casos, o primeiro contacto com as marionetas acontece nas escolas, infantários ou mesmo em casa, através dos fantoches, o que não aconteceu comigo.
Aproximo-me das marionetas, no domínio da experimentação e criação artística.
Por ter tido essa primeira experiência neste universo, para mim a marioneta teve desde logo um sentido muito alargado, como se fosse o encontro com um par.
Entendi e entendo a marioneta como um objeto de identificação, uma criatura extremamente potente, através da qual posso contar e tocar em questões universais.
A marioneta permite exprimirmos o que aparentemente não é passível de ser expresso. A marioneta é portadora de símbolos.
A marioneta é um ser de silêncio, a quem emprestamos vida temporariamente.
Na experiência de criação de espetáculos com marionetas, mesmo quando estes são concebidos a pensar nos mais novos, as marionetas, os objetos e as formas animadas adquirem um valor artístico. Por um lado porque são concebidos para uma função, a de serem usados num contexto de espetáculo, o que os “obriga” a terem tido um conceito, uma ideia que os fez nascer. São normalmente objetos únicos, que foram pensados em função da encenação, desenhados, construídos, experimentados pelos atores e adaptados à peça de forma a atingirem a melhor performance possível.
Por outro lado, estes objetos, são peças únicas, e é nessa exclusividade também que adquirem o seu valor artístico e que encontra um sentido quando expostas, nomeadamente em Museus, como é o caso do Museu que dirijo, o Museu das Marionetas do Porto.
Surge agora a pergunta: e uma marioneta não é um Brinquedo?
Nunca brinquei com marionetas, contudo, as minhas brincadeiras preferidas eram criar histórias com os meus dedos. Passava longas horas sozinha entretida nessa espécie de pequeno mundo do nada. Hoje, lembro isso com se fosse o primeiro gesto que me fez fazer este percurso pela dança, pelo teatro e em especial pelas marionetas.
Se entendermos o brinquedo como um suporte da brincadeira, qualquer objeto pode ser um brinquedo e nesse caso, a marioneta, quando retirada do seu habitat artístico, pode ser também um brinquedo, contudo, nunca irá perder uma certa “carga” diria existencial, como se o seu passado estivesse de alguma forma inscrito e por essa razão, mesmo sendo possível passar a objeto de brincar, mantenha a sua dimensão de objeto performativo e obra de arte.
Um brinquedo em contexto de experimentação artística, pode também rapidamente ser absorvido e transformado em marioneta. Isto acontece na criação contemporânea, e sobretudo no teatro de objetos e formas animadas, que transportam para cena objetos quotidianos que estão e são muito próximos dos usados em contextos comuns.
Sou apaixonada por bonecos em toda a sua dimensão, por marionetas, nas suas mais diversas formas e naturalmente pelo universo das histórias, ilustrações e literatura para os mais novos.
Encontro ligações entre tudo isto.
Um boneco que experimento em contexto de trabalho e o mesmo boneco em contexto de brincadeira. Em ambas as situações, submeto-o a regras de jogo, transfiro-lhe desejos, silencio vontades.
Esta comunicação, serve de ponto de reflexão para mim e abre um campo de exploração, diria até de contágio entre o brinquedo e a marioneta, ambos contribuem para representar o próprio Homem. Ambos distanciam para nos aproximar e talvez para melhor viver a realidade. Ambos contribuem para algo extremamente importante,
Viver em pleno.
IMAGINAR É AUMENTAR O REAL EM UM TOM
GASTON BACHELARD
OBRIGADA
Isabel