AINDA NÃO …que tempo para uma marioneta?
O Futuro é um tempo que ainda não chegou mas já aqui está a ser antecipado, planeado, programado, ficcionado, imaginado…como numa brincadeira de criança, esse, este momento é talvez sempre o mais peculiar pela tensão que existe ao preparar, ao imaginar que vamos conseguir surpreender, vamos criar impacto, vamos Acontecer!
– Ainda não! Esta é uma das frases preferidas de uma criança, ou de um adulto quando se prepara para criar um efeito de surpresa, quando está antes da acção. E o ainda não é o tempo que ainda não chegou, é o Futuro.
O Futuro é um lugar mágico onde tudo ainda pode acontecer, e quanto mais passado temos mais mágico podemos imaginar o Futuro…
Ao longo destes 20 anos de ligação ao Teatro de Marionetas e ao trabalho do João Paulo Seara Cardoso, continuo a sentir que a intemporalidade da marioneta é a sua maior força, e talvez a sua maior capacidade de vencer o tempo, ou de o atravessar e se renovar. A marioneta, esse ser frágil e leve, contém em simultâneo esse contraste: a fragilidade e a força, a leveza e o poder, a vida e a morte.
A minha ideia de teatro de marionetas, é uma ideia de cruzamento nas disciplinas em que me movo: o teatro, a dança e o teatro de marionetas. Nesse cruzamento outras disciplinas são ainda convidadas, a música, a animação e o vídeo…sempre com vista a pesquisar e criar algo que AINDA NÃO existiu, daí o meu enorme fascínio pela criação de um teatro de imagens, é nesse lugar, o da fabricação de imagens que me encontro e me imagino.
As marionetas, como disse Roman Paska constituem a vanguarda das artes cénicas , devido ao espírito aglutinador de teatro de formas puras, de teatro visual, numa época em que o que se vê é o mais importante das nossas vidas. Acompanha os signos da linguagem contemporâneos e sempre com uma certa universalidade.
A marioneta é um instrumento teatral, um objecto, uma escultura. Pode ser figurativa, ter uma determinada carga teatral, ou ser um objecto abstracto em movimento, e através desse movimento ser tocante e inquietar. A marioneta pode ser uma personagem humana ou uma marioneta-objecto, em qualquer um dos casos as suas capacidades ilimitadas, potenciam a entrada no domínio do fantástico, do onírico. E aí estamos no Futuro. Através da marioneta o sonho, ou as imagens dos sonhos podem ser materializadas. A capacidade de voar de permanecer suspensa, de deslizar ou se desmontar e voltar a montar são realidades neste universo das marionetas ainda que através da ajuda dos atores e mesmo que estes estejam presentes e visíveis. Um corpo sem cabeça, uma cabeça que procura um corpo, uma mulher nua a correr com uma rosa vermelha gigante, muitos homens pequeninos todos iguais com chapéus de coco povoando o ar, um voo alucinado de uma marioneta que parece explodir de felicidade, tudo isto são algumas das imagens possíveis de encontrar nas peças criadas pelo João Paulo para o Teatro de Marionetas do Porto.
A ideia: perturbar os sentidos do espectador, criar um espaço-tempo para sonhar
A marioneta, na sua extraordinária condição mecânica, é possuidora de um gesto único, puro e essencial não acessível ao corpo funcional do actor. Na sua condição abstracta, material, imagética, oferecem tantas possibilidades inesperadas de ressonância com as vidas reais.
Estas configurações estéticas e simbólicas são convocadas para a cena teatral como representações do humano, assumindo formas que podem ir da máscara, ao robot, da marioneta ao manequim, sempre como intermediário para redesenhar as relações da vida e da morte, esse dilema humano subterrâneo ao gesto artístico.
O espaço-tempo, vejo-o como uma sequência, um filme, que acontece num lugar teatral e é em simultâneo um lugar imaginante, onde atores e marionetas convivem com naturalidade e jogam o jogo de existir e deixar de existir. Os atores emprestam o movimento e ampliam os seus desejos. Nessa relação de movimento em que o ator e a marioneta estão em contacto, abrem-se novos horizontes dramatúrgicos.
Num presente em que a manipulação e a multiplicação de duplos parece ser algo de fascinante e de pesquisa futura, a marioneta pode entrar nesse universo pela sua capacidade de ser mais versátil que o homem e corresponder talvez à sua grande vontade: continuar a exercer um poder de controle…
Manipulação, esta constante paradoxal na vida do homem, e fazendo um paralelismo com Blade Runner, onde o homem cria replicantes que são mais extraordinários, mais fortes e mais ágeis que o humano, e contudo lhes dá apenas 4 anos de vida e uma ausência de memória. A manipulação, a decisão, as regras do jogo que depois criam o grande conflito se o amor acontece!…
Aquilo que me fascina em Blade Runner é a questão justamente da memória, a manipulação, a injecção de uma memória constituída por um passado imaginário, isto também podemos nós fazer às nossas marionetas, criar-lhes um cenário, uma pequena vida, uma história, um limite, com uma diferença: elas apoderam-se desse passado. Podemos também fazê-las viver e morrer quantas vezes forem necessárias, isto para mim é o futuro. Como num jogo, matar, morrer e logo a seguir voltar a nascer e logo morrer. Outra diferença em relação aos replicantes é a ausência de força e de resistência que as marionetas têm em relação aos atores e ainda que estas depois de terem vivido uma história a guardam em si, num profundo silêncio como se fossem anjos mudos, como lhes tenho chamado.
As marionetas têm memória e na verdade não morrem.
Aquilo que imagino como futuro é o que penso que se espera para as disciplinas artísticas, tal como para as ciências, que continuem a inventar, a surpreender. Essa é a minha ideia de teatro. Num próximo projecto do Teatro de Marionetas do Porto vamos entrar ainda mais neste universo de cruzamento entre a cena e a animação, a imagem, o holograma, num projecto ainda sem nome, mas já em efervescência que terá a colaboração de um colectivo de artistas, colectivo HUSMA, que trabalham imagem, som, interactivo, comunicação a quem lancei o desafio de se juntaram para a experimentação desse universo com as marionetas.
FUTURO
Perceber e ter passado, é na minha opinião o motor para a constante renovação, isso é a beleza das coisas e da vida.
A existência de novos meios, de novas disciplinas, criou novas poéticas, essa renovação constante faz com que os dias não sejam iguais e criam futuro e permitem-nos sempre imaginar.
e
IMAGINAR É AUMENTAR O REAL EM UM TOM
GASTON BACHELARD
ISABEL BARROS
FEV. 2012